O direito à água, artigo de Flávio José Rocha da SilvaArtigo by Redação – 24/08/20171Compartilhe [EcoDebate] Por que falar de direito à água? Porque cada vez mais este direito pode ser ameaçado por novas circunstâncias políticas e econômicas na sociedade brasileira. Este tópico é muito recente como reflexão e discussão no Brasil e no mundo. Basta dizer que ele nem consta da Declaração Universal dos Direitos Humanos2. Avalio que a sua ausência neste documento que nasceu depois das atrocidades da Segunda Guerra Mundial se deve ao fato de que o direito à água era visto como algo tão assegurado que sequer necessitava ser ressaltado naquela Declaração. Ele somente foi mencionado em documentos internacionais anos mais tarde nas convenções que tratam de minorias que ainda lutam por direitos sociais e individuais como mulheres, crianças e portadores de necessidades especiais. Foi apenas na primeira década deste milênio que a Organização das Nações Unidas teve este tema discutido com maior profundidade ao ter uma resolução pelo direito à água votada pelos países membros, discussão esta pautada pela Bolívia e que em sua primeira votação foi derrotada, sendo aprovada posteriormente em 2010.É bem verdade que no Brasil este direito já estava presente no Código das Águas3, elaborado nos anos trinta do século passado, ao garantir que as águas públicas deveriam priorizar a “necessidade da vida”. Esta lei garantia o acesso a estas águas, mesmo que fosse necessário aos que dela necessitavam que caminhassem por áreas privadas que as margeassem.Mas na prática nem sempre este direito foi assegurado aos grupos mais vulneráveis no Brasil. Hoje sabe-se que para proporcionar mão de obra barata para as fazendas de café e para as indústrias do estado de São Paulo, por exemplo, governos federais dos anos quarenta e cinquenta atrasaram obras hídricas no Nordeste como forma de pressionar a migração forçada de moradores de áreas atingidas pelas secas, em um flagrante desrespeito ao direito humano a dessedentação. Favelas e zonas rurais sempre foram relegadas ao esquecimento no acesso a água limpa e de qualidade. Basta lembrar que na última crise hídrica de São Paulo, comunidades periféricas sofreram com a falta de água enquanto as mansões dos bairros ricos da cidade continuaram com as suas piscinas cheias (não se conhece campanha publicitária da Sabesp para que piscinas não fossem abastecidas, apenas as que culpavam o “banho demorado” pelo desperdício de água). E como não lembrar dos povos indígenas do Brasil e de outros cantos do planeta que são expulsos de suas terras muitas vezes porque estas possuem água em abundância, fazendo com que estes mudem para áreas onde terão dificuldade no acesso a rios ou lagos. Isso nos leva a concluir que muitas vezes este direito é negado por interesses políticos e econômicos.Parte do mural Água, origem da vida (Autoria de Diego Rivera)4Estudos também demonstraram que por causa da dificuldade no acesso a água de qualidade para o consumo, mulheres em áreas rurais caminham por quilômetros para conseguir chegar as fontes, poços, lagos ou rios e trazê-la para suas casas em latas ou potes carregados em suas cabeças5. Este direito negado também vem vitimando milhões de crianças em todo o mundo com doenças que são transmitidas por águas contaminadas em áreas pobres das grandes cidades e em zonas rurais. Como não concluir que sem direito à água, vários outros direitos também são negados aos mais pobres ou a grupos historicamente vulneráveis. Ao furtar este direito essencial, populações precisam migrar ao seu encontro para fugir da morte e muitas vezes é a morte que encontram nesta busca.Há um outro aspecto com relação a este assunto nem sempre mencionado: o aproveitamento político que a negação deste direito gera. No Brasil há vários casos. Embora o Nordeste sempre apareça em primeiro plano quando o assunto é a troca de favores políticos por água, como não lembrar dos chamados “políticos de bica d´água” no Rio de Janeiro6 em um passado não muito recente (década de sessenta e setenta), quando lideranças partidárias trocavam votos por bicas d´água nos morros cariocas. Também é o caso das periferias da cidade de São Paulo sua luta por água encanada em suas casas ainda em nossos dias. Há ainda o caso da transposição do Rio São Francisco, vendida como garantidora de água para parte da população nordestina, quando é do conhecimento que aquela água transposta será a garantia de irrigação para grandes plantações do agronegócio no semiárido.A ideia de que a água é um bem comum a que todos os seres (humanos e não humanos) tem direito vem sendo ampliada basicamente porque ela é cada vez mais um alvo do mercado que nela vê uma oportunidade de lucro a perder de vista. A posse da água ou mesmo de sua distribuição por monopólios empresariais privados em um mundo cada vez mais urbano, coloca em perspectiva até que ponto os governos estão garantindo este direito fundamental para a vida. Assegurá-lo é a garantia de que outr
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