Transição de pai para filho exige cuidado e tempo

Especialistas aconselham a empresários só entregar cargos importantes a herdeiros se eles estiverem prontos para exercê-los

 

Rio – A transição do comando empresarial em empresas familiares é um momento que exige muito cuidado e planejamento, de acordo com especialistas. A forma como ela é feita pode afetar o futuro da firma e definir o fracasso ou o sucesso do empreendimento nos anos seguintes.

De acordo com Francisco Marins, gerente da área de Educação e Cultura Empreendedorado Sebrae, o processo deve começar já na criação dos herdeiros. “Muitas vezes, o pai prepara o filho para os negócios”, informa Marins.

Ele explica que, quando o processo de sucessão não é bem planejado, a empresa corre risco de fracasso. “A troca de comando não pode ser automática”, avisa.

Para Marins, o processo é especialmente mais difícil nas empresas familiares. E tudo precisa ser feito com tranquilidade e preparação. “Se não for feito da forma ideal, tudo acaba indo por água abaixo”, diz Marins, para quem a fórmula é equilibrar escolha, gestão e preparação.

Um erro muito cometido pelos pais-patrões é colocar os filhos para trabalhar diretamente em cargos estratégicos na empresa, antes de dar a eles qualificação suficiente. Além dos estudos, a dica de Marins é trabalhar em outras empresas, até mesmo concorrentes, se for o caso.

Para o gerente do Sebrae, esse tipo de experiência enriquece o futuro dono do negócio. “Se coloco meu filho como gerente, e ele não conhece o mercado, a função ou não tem noção de relações interpessoais, como vai ter sucesso?”, questiona Marins.

Outra dica é o trabalho em cargos operacionais antes de assumir um posto estratégico na empresa. Dessa forma, o administrador pode conhecer o funcionamento da empresa e se preparar melhor para assumir a chefia. “Se eu não investir na minha qualificação para conhecer outros mercados, eu vou pegar a empresa e não vou administrar, vou bancar”, diz Marins.

Segundo Sérgio Malta, conselheiro do Sebrae no Rio de Janeiro, apesar das dificuldades, as micros e pequenas empresas familiares têm uma vantagem em relação às outras. “Todos trabalham com grande empenho, com grande entusiasmo, porque são todos donos”.

Ele lembra que o usual é o funcionário chegar, fazer seu trabalho e ir embora. “Mas, se todo mundo é da família, todo mundo está muito empenhado em que aquele negócio dê certo”, analisa Malta.

Mas ele também alerta que é necessário fazer prevalecer o bom senso. “Se for para colocar como sucessor alguém que não tem as habilidades profissionais para tocar o negócio, é melhor chamar alguém de fora”.

Com herdeiros preparados, empresário está tranquilo

Marlei Feliciano, 58 anos, fundou a Ética Imobiliária aos 30. Formado em Ciências Contábeis, Administração, Direito, Economia e com pós-graduação em Engenharia Econômica, ele sabe bem o valor da educação para que os filhos possam levar a empresa à frente.

O foco sempre foi a empresa. “A primeira coisa que eu fiz foi propiciar uma formação adequada. Preocupei-me com a qualidade do ensino, dei segunda língua — o inglês —, para que eles começassem bem a jornada profissional”, diz Marlei.

Rodrigo Feliciano, aos 35, é advogado e trabalha desde os 15. Hoje, é diretor de vendas na Zona Sul do Rio de Janeiro. Já o caçula, Marlei Júnior, 30 anos, é publicitário e vice-presidente da imobiliária.

“É a passagem de toda uma filosofia de vida e o que é o sucesso da minha vida e da minha família”, diz Marlei, sobre o bem que vai entregar nas mãos dos filhos. “Eu não tenho dúvida de que eles estão preparados”, afirma.

Dificuldades na hora das decisões

SUCESSÃO
Especialista em micros e pequenas empresas, Sérgio Malta aconselha a realização de um acompanhamento externo para a sucessão. “Empresas médias podem contratar um consultor, mas, se for uma micro ou pequena, com pouco dinheiro, é aconselhável até chamar um amigo da família, um pessoa que pode dar um bom conselho. É melhor ter uma visão de fora para ajudar”, orienta.

EXPERIÊNCIA EXTERNA
Nas empresas menores, organizar a sucessão e preparar os filhos desde novos é um pouco mais complicado, de acordo com Sérgio Malta. Nesses casos, é importante que o herdeiro trabalhe em outras empresas para adquirir novos conhecimentos. “Ele passa a ter um horizonte diferente e pode trazer novas ideias. Assim, ele não passa o tempo todo só com aquela visão familiar”, explica Malta.

NADA DE BARRACO
O especialista aponta ainda uma desvantagem. “Somos seres humanos e existe uma tendência a misturar os laços profissionais com os familiares. Questões sentimentais devem ser separadas, senão atrapalham”, aconselha Malta.
Orgulho, ciúmes e preferências não podem ter lugar na administração empresarial. Para ele, é preciso incentivar e enaltecer o entusiasmo da construção do patrimônio familiar.

NEGÓCIOS SÃO NEGÓCIOS
Deve-se separar o dinheiro da empresa e o dinheiro da família. Sérgio Malta ensina que usar o caixa da firma para cobrir despesas da família (sejam elas quais forem) é um erro grave. “Isso tumultua tudo. E outros podem querer também”, alerta.

TALENTO É IMPORTANTE
Ter visão empreendedora é fundamental para conduzir bem uma empresa. Para Sérgio Malta, nem sempre é possível manter a gestão 100% eficiente ao longo das gerações. “Às vezes, temos na origem um grande empreendedor, um homem de visão, mas é raro ter homens e mulheres com a mesma qualidade de visão em toda a linha sucessória”, diz.

QUESTÕES INTERNAS
De acordo com Francisco Marins, na hora da sucessão na empresa, é indispensável saber administrar também as questões internas da família. “Quem tem mais de um filho faz o quê? Vai passar a empresa para quem? Tem que negociar, saber com qual herdeiro vai ficar o comando. É preciso saber equilibrar muito bem essa questão”, afirma Marins.

Preparação leva filhos ao sucesso

Quem faz boa preparação para assumir os negócios da família consegue ter sucesso. Foi o que aconteceu com o casal André Finatti, 24 anos, e Ranny Sá, 23.

Ele trabalha na empresa do pai, de tecnologia de segurança, desde 2004. “Comecei logo depois que terminei o Ensino Médio. Meu pai me ensinou tudo sobre a empresa. Passei por todas as experiências, fiz tudo o que os funcionários faziam. Não fui direto para a administração”, conta André.

Ele assumiu o comando da empresa em 2008, após a saída do pai. Mas não quer parar por aí. “Tenho planos que envolvem vender a empresa ou abrir outra com meu pai”, informa.

Ranny administra uma convertedora de GNV. E, como grande parte dos carros no estado já foi convertida, ela pretende ampliar os serviços para não ficar em dificuldades. “Quando terminei a faculdade de administração, assumi o GNV, e meu pai saiu para cuidar só da imobiliária que ele já tinha”.

Desde cedo, Ranny fez sua carreira focando na empresa. Resultado? “É uma coisa que me faz feliz”, diz.

http://odia.terra.com.br/portal/economia/html/2011/2/transicao_de_pai_para_filho_exige_cuidado_e_tempo_144587.html